01 ago Reforma Tributária, agronegócio e o diferimento da CBS/IBS: Oportunidade de ajuste e complexidade setorial (Dr. Marco Antônio Ruzene – Ruzene Sociedade de Advogados).
Um dos temas mais debatidos atualmente é o impacto da reforma tributária no agronegócio, especialmente diante da implementação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). O ponto central deste debate, e objeto da reflexão neste artigo, é a previsão legal de diferimento na aquisição de insumos agropecuários, mecanismo que, ainda que não configure propriamente um incentivo fiscal, representa importante instrumento de atenuação dos impactos de caixa para os produtores rurais.
Sob o sistema atual, produtores rurais, sobretudo pessoas físicas, convivem com uma carga tributária indireta significativamente reduzida, beneficiando-se de isenções, reduções de base de cálculo e diferimentos aplicáveis a ICMS e PIS/Cofins. Na prática, isso gera baixa complexidade operacional e pouco impacto direto no fluxo de caixa dessas operações. Essa condição, no entanto, será substancialmente alterada com a implementação do IBS/CBS.
Com a nova sistemática, salvo exceções restritas, o produtor rural se tornará contribuinte do novo tributo, sujeitando-se à incidência plena na aquisição de bens e serviços. Embora os produtos agropecuários se beneficiem de alíquota reduzida (60%), o efeito de “descasamento temporal” entre o débito do imposto na entrada (compra dos insumos) e o crédito correspondente na saída (comercialização dos produtos) poderá gerar desequilíbrio financeiro considerável, sobretudo diante da natureza de ciclo longo da atividade agropecuária.
Previsto na Lei Complementar nº 214/2025 (art. 138), o diferimento surge como solução parcial e técnica para mitigar tais efeitos. Trata-se de um adiamento do momento de recolhimento do imposto, conferindo maior fôlego ao produtor na etapa de aquisição de insumos.
Importa destacar que o diferimento:
- Aplica-se apenas a insumos agropecuários e aquícolas relacionados no Anexo IX da LC 214/2025.
- Incide tanto nas aquisições internas quanto na importação.
- É obrigatório nas hipóteses legalmente previstas (“fica diferido”), e não opcional.
- Abrange contribuintes em regime regular e produtores não contribuintes, desde que os insumos sejam destinados a produção de bens vendidos para adquirentes com direito a créditos presumidos.
Contudo, o produtor rural que adquirir insumos com diferimento não poderá aproveitar crédito, pois a legislação expressamente veda essa possibilidade (art. 49 da LC 214/2025).
Aspectos Relevantes no Contexto Cooperativista e Subsetores do Agro
A interação com sociedades cooperativas também mereceu previsão específica. O artigo 271 da LC 214/2025 estabelece alíquotas zero em operações entre cooperativas e associados, mas ressalva que nas operações com insumos cobertos pelo diferimento, a alíquota zero não se aplica, devendo prevalecer o regime do diferimento.
Já no que se refere à regulação infralegal recente, a Instrução Normativa RFB nº 2.264/2025 introduz alterações importantes no regime de PIS/Cofins no agronegócio, como:
- Regramento sobre estorno de créditos em vendas com suspensão (especialmente para setores de bovinos, aves e suínos).
- Atualização de regras do Programa Mais Leite Saudável e uso de crédito presumido.
- Vedação do aproveitamento de créditos em algumas situações de suspensão de contribuições, como venda de animais vivos sob TIPI específica.
Tais ajustes, embora tênues, são fundamentais para a compreensão do novo panorama normativo do setor.
A previsão do diferimento da CBS/IBS na aquisição de insumos é uma medida técnica relevante, mas insuficiente para resguardar a neutralidade tributária desejada no setor agropecuário. A complexidade da cadeia, o perfil exportador e os longos ciclos produtivos impõem uma análise rigorosa e setorizada da aplicação da nova legislação.
É fundamental que os agentes econômicos do agronegócio e seus assessores estejam atentos a cada nuance regulatória, não apenas para cumprir suas obrigações, mas para garantir a perenidade e competitividade do setor.
Fonte – Dr. Marco Antônio Ruzene – Ruzene Sociedade de Advogados