11 ago Acordo entre InterCement e credores da Mover: Quando a reestruturação ultrapassa o balanço (Dra. Andréa Navarro – Ruzene Sociedade de Advogados).
A recente celebração de um acordo preliminar entre a InterCement, a holding Mover e um grupo relevante de credores representa um caso emblemático de reestruturação empresarial com implicações societárias, regulatórias e institucionais.
Em um cenário marcado por passivos expressivos e litígios de longa duração, o redesenho estrutural do grupo Camargo Corrêa oferece lições valiosas sobre a função estratégica da recuperação judicial.
No centro do acordo está a transferência integral do controle da InterCement aos credores, como forma de equalizar uma dívida superior a R$ 14 bilhões. A medida, acompanhada de um aporte de R$ 450 milhões por parte da InterCement à Mover e da previsão de entrega de instrumentos financeiros (como “warrants”, novas notas e ações), compõem uma arquitetura jurídica complexa, mas voltada à recuperação de liquidez e à estabilidade das companhias.
Outro ponto relevante é a alienação da participação societária da Mover na concessionária Motiva (ex-CCR), estimada em 14,86%, que será direcionada para quitação da dívida junto ao Bradesco BBI. Com isso, a holding também se reposiciona: perde ativos relevantes, mas também se desonera de passivos e contingências que comprometem sua sustentabilidade a longo prazo.
O contexto de litígios judiciais e disputas societárias também ganha um novo encaminhamento: com a suspensão das assembleias de credores até 15 de agosto, o acordo abre espaço para consolidação de um plano de reestruturação consensual. O objetivo não é apenas a quitação de passivos, mas a criação de uma nova base de governança, com estrutura acionária renovada, resolução de litígios e previsibilidade institucional.
Recuperação judicial como ferramenta de reconfiguração estratégica
Casos como o da Mover evidenciam que a recuperação judicial, quando bem estruturada e conduzida com racionalidade empresarial, ultrapassa a esfera da renegociação de dívidas. Ela se torna instrumento de reorganização estrutural, reequilíbrio da governança corporativa e proteção dos stakeholders envolvidos. A segurança jurídica, nesse contexto, é um ativo estratégico.
A proposta construída entre as partes não se limita a aportes diretos de capital ou transferências acionárias. Ela inclui o uso combinado de instrumentos financeiros híbridos, como notas garantidas, ações preferenciais e títulos vinculados a dividendos da Loma Negra, que reforçam a sofisticação da engenharia jurídica envolvida. Essa modelagem não apenas protege os interesses dos credores, como também viabiliza a continuidade operacional das empresas reestruturadas, preservando ativos e evitando sua liquidação forçada.
A reestruturação também aponta para uma mudança de perfil da holding Mover. Com a transferência do controle societário da InterCement aos credores e a provável saída da Motiva, o grupo passa a concentrar seu portfólio em ativos como a incorporadora HM, o estaleiro EAS (em recuperação judicial), fazendas e créditos da área de infraestrutura.
Essa reorganização de portfólio evidencia a busca por uma operação mais enxuta e resiliente, alinhada à realidade financeira do grupo. Trata-se de um exemplo concreto da função social da empresa sendo cumprida não apenas pela manutenção de empregos, mas pela viabilização sustentável da atividade econômica.
A implementação de novos padrões de governança corporativa como contrapartida ao controle da InterCement pelos credores reforça um ponto central: em ambientes de crise, a previsibilidade institucional é um fator determinante para atrair novos aportes, manter a confiança dos mercados e preservar o valor das organizações.
Ao transformar a governança em eixo do plano de reestruturação, o acordo reafirma que não há recuperação empresarial bem-sucedida sem credibilidade regulatória e transparência na gestão.
Fonte – Dra. Andréa Navarro – Ruzene Sociedade de Advogados.