31 jul A explosão das Recuperações Judiciais no agro e os riscos à segurança jurídica das CPRs com garantia fiduciária (Dra. Andréa Navarro – Ruzene Sociedade de Advogados).
O avanço expressivo dos pedidos de recuperação judicial por produtores rurais em 2024 acendeu um sinal de alerta sobre a estabilidade do crédito agroindustrial, especialmente no que diz respeito à segurança jurídica das Cédulas de Produto Rural com liquidação financeira e garantia fiduciária em grãos (CPR-F).
Dados da Serasa Experian apontam que os pedidos saltaram de 534 em 2023 para 1.272 em 2024, crescimento de mais de 138%. O cenário é ainda mais preocupante no caso de pessoas físicas, onde o aumento foi de cerca de 350%. Em paralelo, observa-se um uso cada vez mais precoce e, por vezes, estratégico da recuperação judicial, antes mesmo de esgotadas as alternativas de negociação extrajudicial com os credores.
Essa distorção compromete a previsibilidade contratual e coloca em xeque a confiança dos agentes financiadores, com reflexos sistêmicos sobre toda a cadeia produtiva.
O ponto central de tensão
A CPR-F é um dos instrumentos mais relevantes de financiamento do setor, estruturada sobre garantias reais que asseguram ao credor o direito de execução em caso de inadimplemento. O questionamento atual gira em torno da possibilidade de os grãos colhidos (dados em garantia fiduciária) serem considerados bens essenciais à atividade produtiva e, portanto, sujeitos ao stay period previsto na Lei 11.101/2005.
Sob o prisma jurídico e econômico, essa interpretação não se sustenta. Grãos colhidos e armazenados constituem o resultado final da atividade agrícola, e não são elementos essenciais à continuidade do ciclo produtivo. Por essa razão, não devem ser protegidos pela suspensão das cobranças imposta pelo processo de recuperação judicial.
O Superior Tribunal de Justiça tem reiterado que bens sob alienação fiduciária não se submetem aos efeitos suspensivos da recuperação, salvo prova inequívoca de que se trata de ativo essencial, o que não se verifica, de regra, no caso de produtos já colhidos.
Permitir que grãos sob garantia fiduciária sejam retidos no processo recuperacional representa um desvio do propósito legal da recuperação judicial. Trata-se de uma afronta à boa-fé objetiva e um enfraquecimento das bases do crédito rural. O efeito prático é a erosão da segurança jurídica, elemento indispensável para a continuidade dos financiamentos privados que sustentam o setor.
A consequência mais ampla recai sobre o ambiente de negócios: uma cadeia produtiva sem previsibilidade contratual tende a retrair investimentos, elevar custos operacionais e comprometer a liquidez do sistema.
O papel institucional do Judiciário
Nesse contexto, cabe ao Poder Judiciário zelar pela aplicação dos limites legais da recuperação judicial e reconhecer a natureza diferenciada das garantias estruturadas nas CPRs-F. Não se trata apenas da defesa de contratos privados, mas da preservação de um ecossistema de crédito que sustenta uma das principais matrizes econômicas do país.
Garantir a eficácia da alienação fiduciária em grãos é uma medida técnica, mas também institucional. É ela que assegura a integridade das operações financeiras no campo e a confiança dos agentes econômicos, nacionais e estrangeiros, na previsibilidade do ordenamento jurídico brasileiro.
O arcabouço legal já oferece os instrumentos necessários. O desafio, agora, é assegurar sua aplicação com responsabilidade, precisão e compromisso com a estabilidade do crédito agrícola.
Fonte – Dra. Andréa Navarro – Ruzene Sociedade de Advogados.